De início muita gente me escrevia pedindo dicas de turismo com roteiros que incluíam nomes famosos do país: Bouza, Garzon, Deicas, Narbona. Hoje já ouço menções a muito mais nomes: Bracco Bosca, El Legado, Casa Grande, Antiga Bodega, Oceánica José Ignacio, Alto de La Ballena. Muitas que já escrevi sobre aqui mesmo na CNN Viagem e Gastronomia.

Desta vez vou um pouco mais a fundo no Uruguai e trago quatro vinícolas que talvez pouquíssimas pessoas venham visitar. Parte delas ainda tem desenvolvido a sua estrutura de turismo, outras ainda sem grandes pretensões. Falo aqui em primeira pessoa pois são experiências muito mais intimistas e de quem gosta de conhecer o universo do vinho em detalhes do que apenas vivenciar o enoturismo.

Se um dia surgir a oportunidade, recomendo que não deixem os nomes abaixo escapar. Nem que seja só para ir comprar seus vinhos, que muitas vezes não são facilmente encontrados. E deixo um lembrete: quem quiser arriscar uma visita, é sempre bom entrar em contato pelo Instagram com boa antecedência.

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Bodega Sierra Oriental

Ambiente da Bodega Sierra Oriental, em José Ignacio, Uruguai / Giuliana Nogueira
Ambiente da Bodega Sierra Oriental, em José Ignacio, Uruguai / Giuliana Nogueira

Algumas vinícolas contam com décadas de história. De famílias de imigrantes, são adas de geração a geração por gente que fez do vinho seu sustento e que conheciam a terra como ninguém. Outras começaram grandes, empreendimentos milionários que crescem rápido e encaram o vinho e o enoturismo como business.

A Sierra Oriental não está em nenhuma das duas pontas. Embora seu proprietário, o argentino Rodrigo Diz, não tenha herdado a vinícola, que foi sim construída com o suor do seu trabalho arando campo no setor financeiro, sem dúvida, carrega história e paixão daquelas que se am de geração em geração.

Localizada em José Ignacio, a 1h da costa por uma estrada de terra, mas a pouco quilômetros do mar em linha reta, teve cada detalhe da sua casa principal planejada. Com 14 quartos que também servem de hospedagem no campo, a bela propriedade narra a história de seu proprietário em cada um dos belíssimos detalhes. A propriedade conta com cerca de 12 mil olivais e entre as videiras, variedades como Tannat, Cabernet Sauvignon, Sangiovese, Petit Verdot, Sauvignon Blanc, Sauvignon Gris e Pinot Grigio.

Devido ao difícil o à propriedade, a vinícola não recebe turistas usualmente, mas é possível reservá-la para eventos ou mesmo para férias na “Toscana Uruguaia”, como gosta de dizer Rodrigo.

Muitas bodegas nunca vão se pagar, ou levarão algumas gerações até que isso aconteça. A Sierra Oriental não foi um projeto econômico, talvez se tivesse mais fácil o certamente lotaria de turistas. Rodrigo conta, entre tantas histórias, que sempre fez dinheiro trabalhando para os outros, mas que aquele é o trabalho que faz para si mesmo. "É o que vou deixar para os meus filhos". A melhor herança que se pode dar, uma boa dose de paixão nas coisas que se faz.

Bodega Sierra Oriental: Ruta 39, Km 46. Las Cañas, Maldonado - Uruguai / Tel.: (+598) 99 904 894 / Mais informações pelo site e pelas redes sociais

Bodega Nabune

Bodega Nabune é negócio familiar que vende vinhos em garrafões de cinco litros chamados majuanas / Giuliana Nogueira
Bodega Nabune é negócio familiar que vende vinhos em garrafões de cinco litros chamados majuanas / Giuliana Nogueira

Muitas vinícolas começaram suas histórias produzindo vinho de mesa, vendido em garrafões de cinco litros chamado majuanas. Este ainda é o principal negócio da Bodega Nabune, que inclusive processa as uvas de outras tantas vinícolas que possuem apenas os vinhedos, mas não a área de vinificação.

A vinícola familiar localizada em Canelones, próxima a Bodega Pizzorno, é tocada por Gerardo Nabune e, embora o enólogo viva em Montevidéu, é fácil encontrá-lo por ali junto de seus irmãos, que vivem dentro da vinícola. Inclusive é no teto da casa de um deles que é afinado um dos vinhos de sobremesa mais interessantes do Uruguai.

Sim, a vinícola também produz vinhos finos, mas merece destaque o seu Solera, que até pouco tempo era o único produzido no país. Seguindo a tradição de sua avó, em um processo muito comum na Espanha, após fermentar seu sauvignon blanc em tanques de concreto, Gerardo o armazena em majuanas que ficam semiabertas no teto da casa de seu irmão. Ali, a céu aberto, o vinho é exposto ao sol, ao calor extremo, a chuva e frio por meses a fio, oxidando até o ponto ideal onde é engarrafa sem nenhum acréscimo de açúcar ou álcool vínico.

O resultado é uma bebida concentrada, doce, mas que guarda um pouco de acidez, com notas de nozes e figo seco. A melhor companhia para uma torta de queijo no final da refeição.

Gerardo não tem estrutura para receber turistas. Quem der a sorte de conseguir visitá-lo vai encontrar por ali a simpatia do proprietário e vinhos difíceis de encontrar no mercado, mas que representam todo o carinho do seu produtor por aquilo que faz. E de quebra, ainda poderão provar a melhor Grappa miel do Uruguai.

Bodega Nabune: Las Piedras, Departamento de Canelones, Uruguai / Tel.: (+598) 23 641 868 / Mais informações pelo site e pelas redes sociais

La Bodeguita del Cacho

Vinhos da La Bodeguita del Cacho, pequena vinícola na região de Canelones / Giuliana Nogueira
Vinhos da La Bodeguita del Cacho, pequena vinícola na região de Canelones / Giuliana Nogueira

Será a menor vinícola do Uruguai? A La Bodeguita del Cacho tem charme até no nome. E como ele mesmo anuncia, a vinícola é realmente pequena. A enóloga espanhola Olga Pascual viajou 9.983 km para fazer vinhos no Uruguai. E por ter conhecido um uruguaio que, não por acaso, tinha uma bodega familiar.

Em sua cidade, Campaspero, na região de Castela e Leão, só pode reinar a tempranillo. A chegada de Olga à vinícola de seu sogro vem transformando gradualmente a produção que antes era predominantemente de vinhos de mesa.

Já no Uruguai não havia chance de fazer tempranillo na Bodeguita, que tinha até então basicamente Tannat, Moscatel e Cabernet Sauvignon. Com essa matéria prima Olga se virou pra fazer toda a excelente linha Pájaros Tangueros, seu primeiro Tannat, o 9983. Dos pouquíssimos hectares da pequena propriedade em Canelones ainda são vinificados um Solera e um Vermute ao estilo espanhol.

La Bodeguita del Cacho: Camino Piccardo, s/n, Canelones, Uruguai / Tel.: +598 94 434 116 / Mais informações pelas redes sociais. 

Bodega Colorado Chico e Proyecto Nakkal

Receptividade na Bodega Colorado Chico, na região de Canelones / Giuliana Nogueira
Receptividade na Bodega Colorado Chico, na região de Canelones / Giuliana Nogueira

Aqui duas histórias se misturam. Anos atrás me chamaram para conhecer uma pequena vinícola em Canelones. O final de tarde frio e cinza não fazia da Bodega Colorado Chico um eio turístico. Fomos recebidas por Nico Monforte em um galpão onde ele produzia vinhos para outros enólogos e clientes particulares, que sonhavam em ter o seu próprio vinho, embora o próprio Nico ainda não produzisse vinhos com sua marca.

Tempos depois, Nico se juntaria a seu amigo de longa data, o enólogo Santiago Degaspari. Dessa parceria surgiu o primeiro projeto de vinhos 100% de baixa intervenção do Uruguai. Os vinhos da Colorado Chico também começaram a ganhar mais espaço dentro da própria vinícola. E a elaboração de vinhos para terceiros continua a todo vapor.

O projeto de enoturismo ainda é novidade para a dupla, mas já é possível organizar com eles visitas em pequenos grupos.

Na última vez que estive na Colorado Chico, deram um show de receptividade. Escolheram para o nosso almoço produtos de pequenos produtores. De prato principal, uma saborosa cazuela de cordeiro feita pelo próprio Santiago que, aparentemente, além de fazer bons vinhos também manda bem na cozinha. O almoço ainda teve degustação do Vermute Rooster, outra marca que também é vinificada ali.

Bodega Colorado Chico: Cno. Gomenzoro s/n El Colorado, Canelones, Uruguai / Tel.: +598 99 911 160 / Mais informações pelas redes sociais

Sobre Giuliana Nogueira

Giuliana Nogueira / Acervo pessoal
Giuliana Nogueira / Acervo pessoal

Giuliana Nogueira é brasileira, psicóloga, fotógrafa e assessora de comunicação. Não é enóloga nem sommelierè, mas é enófila, apaixonada especialmente por vinhos uruguaios e pelo Uruguai. Mantém o Instragram @Instatannat, falando mais de vinhos uruguaios que os próprios uruguaios. Sempre que pode viaja até a terra dos nossos vizinhos, que sabem receber muito bem.

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