Do Brasil até a Namíbia, astroturismo une observação do céu com preservação ambiental
Prática ocorre em locais reclusos com baixa poluição luminosa; confira onde observar fenômenos celestes ao redor do mundo, em que até organizações lutam pela conservação do firmamento


Além das comemorações de Natal ao redor do mundo, o dia 25 de dezembro de 2021 foi marcado pelo lançamento do telescópio espacial James Webb, instrumento de US$ 9 bilhões capaz de esmiuçar os cantos mais recônditos do cosmo.
Descrito como uma “nova era da astronomia”, as lentes superpoderosas do equipamento já têm revelado fotos inéditas feitas a mais de 1,5 milhão de quilômetros da Terra: imagens de Júpiter, da forte luz de Marte, dos anéis de Netuno, da luz de estrelas e aspectos invisíveis do Universo são algumas das demonstrações nítidas do telescópio.
Se o instrumento não foi suficiente para despertar sua curiosidade de, daqui da Terra, olhar para o céu, certamente você não ou impune dos eventos celestes observados neste ano. Eclipses lunares totais, várias chuvas de meteoros e superluas iluminaram o firmamento em 2022.
Aliados aos rastros que a pandemia deixou no turismo, como o boom da procura por lugares reclusos e ligados à natureza, todos estes eventos lançaram luz a um nicho em desenvolvimento: o astroturismo.
O que é o astroturismo
Descrito como uma forma de turismo sustentável e responsável que combina observações do céu noturno e diurno, o astroturismo desenvolve atividades de divulgação e lazer relacionadas à astronomia.
Também é um recurso que promove territórios menos desenvolvidos, que encontram nesta modalidade uma oportunidade para atrair mais visitantes.
A definição acima é sustentada pela Starlight Foundation, entidade sem fins lucrativos fruto do Instituto de Astrofísica das Canárias (IAC) que valoriza o céu estrelado e luta para protegê-lo, cuidando de um “patrimônio científico e cultural que é de todos”, segundo a fundação.
A entidade, que ainda é apoiada pela Organização Mundial do Turismo (UNWTO) e corresponde a uma ação integrada da UNESCO, concede certificados para locais ao redor do mundo que são considerados ideais para a observação do céu e das estrelas.
A maioria das indicações é na Europa, com alguns pontos no Canadá, no Chile e no Peru, mas que ajudam os aventureiros interessados em astroturismo a delimitarem suas procuras.
Já o Brasil é creditado pela Dark-Sky Association, autoridade quando o assunto é combate à poluição luminosa ao redor do mundo.
A organização tem o que chama de International Dark Sky Places, lista de locais certificados ao redor do planeta criada para incentivar comunidades, parques e áreas protegidas com o intuito de preservar e proteger locais escuros por meio de políticas de iluminação responsáveis e educação pública.
Atualmente há cerca de 195 propriedades e áreas no mundo com o certificado, de acordo com o último levantamento da organização de janeiro deste ano.
Um dos exemplos é o Parque Estadual do Desengano, no Rio de Janeiro, único endereço brasileiro do mapa da Dark-Sky e que recebeu a distinção no final de 2021, se tornando também o primeiro Dark-Sky Place da América Latina.
O Parque Estadual

Considerado o primeiro parque criado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, o local é um dos mais importantes fragmentos florestais na Serra do Mar, se debruçando sobre os municípios de Santa Maria Madalena, São Fidélis e Campos dos Goytacazes.
Os registros apontam que o parque é lar de mais de 1.321 espécies de flora, sendo 58 delas ameaçadas de extinção e 81 endêmicas do estado do Rio.
ado 24 horas por dia, é durante à noite que os amantes de astroturismo podem ter um prato cheio: o céu brilhante garante vistas deslumbrantes para as estrelas. A Dark-Sky salienta que a Via Láctea é claramente visível, cheia de luz e de cores impressionantes.
Estes detalhes, muitos deles vistos a olho nu, só são possíveis de serem presenciados pela total ausência de iluminação artificial do parque, e também pela localização entre vales, morros e vegetação.
O Parque Estadual do Desengano, é, portanto, um bom exemplo do que é necessário para que se tenha uma boa observação do céu noturno.
Condições ideais
De acordo com Elielson Soares Pereira, astrônomo egresso do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), são três os requisitos primordiais para um astroturismo de qualidade:
- Estar longe de grandes centros urbanos, por conta da poluição luminosa;
- Escolher períodos ou locais mais secos;
- Ser uma localização em altas altitudes
O Parque do Desengano, por exemplo, cumpre alguns dos requisitos, em que os meses mais recomendados para visão dos astros são entre maio e agosto, quando o céu está completamente limpo de interferência de nuvens.
Segundo a Dark-Sky, o melhor local para desfrutar da observação de estrelas é o setor da Morumbeca dos Marreiros, área ível por veículos que possui infraestrutura para receber visitantes.
O mesmo ocorre com a Chapada dos Veadeiros, parque nacional em Goiás que é a base dos trabalhos do astrônomo Elielson. No ano ado ele criou a Céu de Gaia, agência e operadora de turismo que como mote pacotes de astroturismo, seja em território nacional ou até mesmo em países vizinhos ao Brasil, como no Chile.
A sede da empresa fica em Alto Paraíso de Goiás, uma das entradas da Chapada e que fica a cerca de 240 km de Brasília, assim como fica acima dos mil metros de altitude e tem período seco mais evidente entre maio e agosto.
Segundo o fundador, a agência diversifica os roteiros como estratégia para agradar a diferentes tipos de turistas e propõe programas de acordo com as diferentes fases da lua.
Atualmente, a Céu de Gaia oferece tour astronômico no Observatório Bellatrix, que contém um domo com telescópio elevado a 8 metros de altura em meio às vistas da Chapada dos Veadeiros.
Outro eio oferecido é a Trilha da Lua Cheia, que é feito entre 2 e 3 dias antes ou depois da Lua Cheia. Os eios variam de valor e também podem ser personalizados – uma ida ao Observatório Bellatrix, por exemplo, sem transporte sai por cerca de R$ 175 por pessoa, em que os grupos acomodam até oito pessoas.
Por que ver o céu?

Os fenômenos pontuais, chamados também de efemérides, que incluem chuvas de meteoros, cometas e eclipses, são alguns dos grandes eventos que chamam a atenção para o astroturismo.
A modalidade, porém, vai muito além disso.
“É um turismo de experiências. Um turismo que trabalha com os sentidos: o sentido primordial trabalhado é a visão, mas depois vem a audição – ouvimos sons da natureza, de alguns animais, ou até mesmo percebemos sons mais distantes”, diz o astrônomo Elielson Soares.
Ele ainda defende que o astroturismo está inserido em outros contextos. “Outro elemento é também poder trabalhar com o que é local, como a culinária daquele lugar específico. É importante estarmos atentos à parte cultural também”, afirma.
A prática, que é mais difundida nos Estados Unidos, na Europa e no Chile, como no Deserto do Atacama, também precisa de alguns cuidados.
Guias credenciados ajudam nas trilhas e também auxiliam no melhor entendimento da observação do firmamento aos mais inexperientes. Lanternas se fazem necessárias no trajeto, assim como é importante um kit de primeiros socorros.
“As pessoas que vão fazer essas experiências precisam se sentir seguras”, relembra Elielson.
Para o profissional, o astroturismo também é uma importante vertente de atuação do conhecimento científico, sendo uma busca por outros conhecimentos e por vivências mais reais que se afastam um pouco apenas do campo teórico.
“O céu também é história: era usado antigamente para os humanos se guiarem e também para o tempo de colheitas. São modos de viver baseados no céu, em que nos remete a um ado também”, destaca.
5 locais no mundo para astroturismo
No Brasil, o Parque Nacional do Desengano e a Chapada dos Veadeiros são locais já citados como adequados para a realização de um astroturismo de qualidade.
Outros endereços, mais ligados ao caráter educacional, também podem ser ideais, a exemplo de observatórios e planetários nas principais cidades brasileiras.
O país, porém, ainda engatinha no assunto. Outros países, até mesmo vizinho ao território nacional, possuem uma melhor infraestrutura para receber os visitantes e fazem manchetes mundo afora.
A seguir, conheça cinco locais ao redor do mundo para experiências ligadas ao astroturismo:
Chile
-
1 de 3
Chile é recheado de observatórios, especialmente no deserto do Atacama; imagem mostra o Observatório de La Silla, no Atacama, a 600 km a norte de Santiago e a uma altitude de 2.400 metros • Y. Beletsky/Sernatur
-
2 de 3
Observatório de Mamalluca fica a 9 km a noroeste de Vicuña, no Valle del Elqui, e pode ser visitado por turistas • elementall/Sernatur
-
3 de 3
Observatório pode ser encontrado ainda no Explora Atacama, sofisticado hotel com intuito de oferecer experiências únicas aos hóspedes num dos cantos mais recônditos do mundo • Divulgação
-
O Chile apresenta um dos céus mais limpos de todo o Hemisfério Sul. Observatórios espalhados pelo país, principalmente no norte, são famosos ao redor do mundo e, além de alguns serem abertos a visitas, contribuem para o conhecimento científico.
De acordo com a própria organização que cuida do turismo no território, as áreas de La Serena, Valle del Elqui, San Pedro de Atacama, Antofagasta e Iquique contam com agências especializadas que oferecem transporte, acomodações e atividades ligadas ao astroturismo.
Um dos exemplos é o Observatório de la Silla, localizado em La Serena e Coquimbo, a 600 km ao norte da capital Santiago e na periferia do Deserto do Atacama. O centro de pesquisa científica fica a 2.400 metros de altura em, com importantes telescópios que captam os movimentos ao redor da Terra.
Além de educadores, estudantes e pessoas ligadas à astronomia, o observatório fica aberto ao público, em que é possível adentrar em certos telescópios e também se deparar com cenários arrebatadoras do deserto e dos Andes. As visitas ocorrem gratuitamente aos finais de semana e possuem capacidade limitada – os tours devem ser agendados no site.
Em esquema parecido está o Observatório Cerro Mamalluca, na comuna de Vicuña, na região do Coquimbo. Por cerca de 4.500 pesos chilenos (cerca de R$ 25) é possível visitar o espaço, observar o céu a olho nu e também olhar através das lentes de alguns telescópios. O tour dura cerca de 1h30.
Já para os que desejam uma estada mais alongada, o Explora Atacama, hotel em San Pedro de Atacama, garante acomodações sofisticadas assim como experiências gastronômicas e aventureiras em meio a um dos locais mais reclusos do planeta.
Se durante a noite o céu estrelado já impressiona nesta região recôndita do país, o observatório, aberto em 2008, conta com um potente telescópio que garante visuais nítidos do firmamento. É, inclusive, um dos melhores telescópios privados do país.
Uruguai
-
1 de 3
Cerro de la Buena Vista, em Rocha, tem céu estrelado e é ideal para ver o arco da Via Láctea cruzando o céu de um lado a outro • Fefo Bouvier
-
2 de 3
Parque Salto del Penitente, em Lavalleja, tem baixa poluição luminosa; turistas aproveitam o céu noturno no lindo acampamento, em que podem observar chuvas de meteoros nos meses de outubro e dezembro • Fefo Bouvier
-
3 de 3
Sierras de Mahoma, em San José, é conhecida como "mar de pedra"; local também pode ser ponto para observar as Nuvens de Magalhães, o arco galáctico e o Cruzeiro do Sul • Fefo Bouvier
-
Vizinho ao Brasil, o Uruguai também apresenta certas localidades com baixa poluição luminosa que se apresentam como ideais – além de bonitas – para a observação do firmamento.
Um desses locais é o Cerro de La Buena Vista, em Rocha, ponto mais elevado das dunas de Cabo Polonio e Barra de Valizas.
À noite, em meio ao aspecto desértico do local, apreciar o céu estrelado e o centro galáctico, principalmente no final do verão e no início do inverno. Por ser uma paisagem aberta e elevada, é ideal ver o arco da Via Láctea cruzando o céu de um lado a outro.
Cerro Catedral, em Maldonado, também é um desses lugares,
Consiste num dos pontos mais altos do país e preferido pelos fotógrafos de astros, em que faz parte da Serra do Carapé, braço da Cuchilla Grande que vai de Maldonado a Rocha.
A observação dos céus é recomendado nas primeiras horas de escuridão, já que a região não conta com serviços. Algumas constelações, como a Orion, são facilmente vistas.
Já o Parque Salto del Penitente junta a fauna e a flora locais com pouca poluição luminosa, já que está entre montanhas de Lavajella.
O parque conta com acampamento, em que a hospedagem é ideal, principalmente entre os meses de março a outubro -período recomendado para melhor aproveitamento dos visuais noturnos no céu no país.
No parque, chuvas de meteoros, especialmente nos meses de outubro e dezembro, podem ser visitas nitidamente.
Estados Unidos
Famosos em território americano, são mais de 420 parques registrados no sistema de parques nacionais dos Estados Unidos. Além da fauna e flora exuberantes, com inúmeras atividades ao ar livre feitas em diferentes épocas do ano, alguns deles também carregam a alcunha de serem ideais para astroturismo.
É o caso do Big Bend National Park, no sudoeste do Texas, que possui paisagens deslumbrantes em meio a rios, com possiblidade de fazer trilhas, acampar e ear a cavalo. Com o cair da noite, devido sua localização afastada dos grandes centros, as estrelas dão as caras e garantem um céu brilhante, o que atrai milhares de visitantes todos os anos.
Já no Colorado, o Great Sand Dunes National Park possui algumas das dunas mais altas do estado e pores do sol que pintam o céu com incríveis cores. Durante a noite, o ar seco do parque ajuda a criar uma atmosfera perfeita para observar o céu.
No Utah, o Canyonlands National Park também cumpre a missão: são inúmeros cânions cortados pelo rio Colorado e afluentes que o transformam em um destino popular entre os aventureiros. Com a ajuda do cenário desértico, a poluição luminosa é mínima, o que o ajuda a ter uma das menores emissões de luz de todo o país. Já deu para imaginar como o céu fica durante a noite?
Vale ressaltar que todos os parques acima são listados entre os parques certificados pela Dark-Sky.
Portugal
No meio do Alentejo fica um dos destinos para astroturismo mais celebrados do mundo, mesmo que inúmeros indivíduos que visitam a região anualmente não saibam.
O Dark-Sky Alqueva é uma área certificada e protegida que abrange cerca de 10 mil quilômetros quadrados. A reserva da Dark-Sky tem telescópios para observação solar e astronômica que permitem visões para planetas, crateras da Lua, nebulosas e galáxias.
De acordo com o governo, uma série de municípios ao redor, como Alandroal, Reguengos de Monsaraz, Portel, Mourão, Moura e Barrancos, fazem um esforço conjunto para diminuir suas luzes públicas artificiais durante a noite
A região também está equipada com acomodações e restaurantes, assim como agências de turismo e guias que auxiliam os visitantes diretamente interessados em astroturismo na região.
Namíbia
-
1 de 2
Céu noturno visto a partir do Goanikontes Oasis, uma instalação e acampamento entre o Parque Nacional Namib-Naukluft, que abrange parte do deserto do Namibe e o parqu e o Parque Nacional Dorob • Wikimedia Commons
-
2 de 2
Namíbia tem se desenvolvendo ao longo do tempo para atrair mais visitantes em busca de visuais noturnos e observações arrebatadoras do firmamento • Wikimedia Commons
Localizada no sudoeste da África, a Namíbia é um dos países que tem desenvolvido a promoção do turismo no território em volta do astroturismo. Seus parques, com paisagens deslumbrantes da fauna e flora locais, possuem pouquíssima luminosidade e por isso não há interferências de poluição pela luz.
A combinação dos elementos garante observações noturnas espetaculares. A Universidade da Namíbia, inclusive, trabalha junto da Universidade de Oxford para implementar o desenvolvimento de um turismo voltado ao nicho no país africano.
O único local incluso na Namíbia na lista da Dark-Sky é a Reserva Natural NamibRand, uma das mais importantes reservas naturais privadas da África, que fica em um dos locais mais escuros da Terra.
Dentro da reserva, além do céu brilhante, a biodiversidade do sudoeste do Deserto do Namibe também é protegida com a ajuda da distinção da Dark-Sky.
No centro da reserva está o Centro de Educação Ambiental do Deserto do Namibe. Aberto ao público, o centro possui programas de educação ambiental sobre a Terra e o céu, com opções que envolvem até pernoite, em que acampamentos são postos ao ar livre e os indivíduos tem a chance de verem as estrelas das suas camas.
Também há algumas instalações em outros locais, como no Parque Nacional Namib-Naukluft, que abrange ainda um pedaço do Deserto do Naribe, onde acampamentos ganham vida a noite com os olhos voltados ao céu.